Definição: o que é descrever
Descrever é representar com palavras um objeto - uma coisa, uma pessoa, uma
paisagem, uma cena, ou mesmo um estado, um sentimento, uma experiência etc -
fundamentalmente por meio de nossa percepção sensorial, nossos cinco sentidos: visão, tato,
audição, olfato e paladar.
No texto descritivo, o sujeito cria uma imagem verbal do objeto - entenda-se a palavra
no sentido mais amplo possível -, dando suas características predominantes, apresentando os
traços que o singularizam, de acordo com o objetivo e o ponto de vista que possui ao realizar o
texto.
Leitura Comentada: Um Texto Descritivo
Ela possuía a dignidade do silêncio.
Seu porte altivo era todo contido e movia-se pouco.
Quando
o fazia, era como se estivesse procurando uma direção a seguir; então, encaminhava-se diretamente, sem
desvios, ao seu objetivo.
O cabelo era louro-dourado, muito fino e sedoso, as orelhas pequenas.
Os olhos tinham o brilho
baço dos místicos.
Pareciam perscrutar todos os mistérios da vida: profundos, serenos, fixavam-se nas
pessoas como se fossem os olhos da consciência, e ninguém os aguentava por muito tempo, tal a sua
intensidade.
O olho esquerdo tinha uma expressão de inquietante expectativa.
Os lábios, de rebordos bem definidos, eram perfeitos e em harmonia com o contorno do rosto, de
maçãs ligeiramente salientes.
O nariz, quase imperceptível na serenidade meditativa do conjunto.
Mas
possuía narinas que se dilatavam nos raros momentos de "cólera sagrada", como costumava definir suas
zangas.
A voz soava grave e profunda.
Quando irritada, emergia rascante, em estranha autoridade, dotada
de algo que infundia respeito. Tinha um pequeno defeito de dicção: arrastava nos erres por causa da
língua presa.
A mão esquerda era um milagre de elegância.
Muito móvel, evolucionava no ar ou contornava os
objetos com prazer.
No trabalho, ágil e decidida, parecia procurar suprir as deficiências da outra dura,
com gestos mal controlados, de dedos queimados, retorcidos, com profundas cicatrizes.
Cumprimentava às vezes com a mão esquerda.
Talvez por pudor, receosa de constranger as
pessoas, dirigia-se a elas com economia de gestos. Alguns de seus manuscritos eram quase ilegíveis.
Assinava com bastante dificuldade, mas utilizava ambas as mãos para datilografar.
Era profundamente feminina, exigia e se exigia boas maneiras.
Bem cuidada no vestir, vaidosa,
mas sem sofisticação.
Nunca saía sem estar maquilada e trajada às vezes com algum requinte: turbante, xale, vários
colares e grandes brincos.
O branco, o preto e o vermelho eram uma constante em seu guarda-roupa.
O batom geralmente era de tom rubro forte; o rímel negro, colocado com sutileza, aumentava a
obliqüidade e fazia ressaltar o verde marítimo dos olhos.
Indiscutivelmente era mulher interessante, de
traços nobres e, talvez, inatingível.
Quanto à afetividade, acreditava que, quando um homem e uma mulher se encontram num amor
verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importando brigas e desentendimentos.
Ambicionava viver numa voragem de felicidade, como se fosse sonho.
Teimosa, acreditava,
porém, na vida de todos os dias.
Defini-la é difícil.
Contra a noção de mito, de intelectual, coloco aqui a
minha visão dela: era uma dona-de-casa que escrevia romances e contos.
Dois atributos imediatamente visíveis: integridade e intensidade.
Uma intensidade que fluía dela
e para ela refluía.
Procurava ansiosamente, lá, onde o ser se relaciona com o absoluto, o seu centro de
força - e essa convergência a consumia e fazia sofrer.
Sempre tentou de alguma maneira solidarizar-se e compreender o sofrimento do outro, coisa que acontecia na medida da necessidade de quem a recebia.
O
problema social a angustiava.
Sabia o quanto doíam as coisas e o quanto custava a solidão.
São muitos os "mistérios" que aos olhos de alguns a transformaram em mito.
Simplesmente,
porém, em Clarice não aparecia qualquer mistério.
Ela descobria intuitivamente o mistério da vida e do
ser humano; em compensação, era capaz de dissimular o seu próprio mistério.
(Olga Boreli - Clarice Lispector, Esboço para um possível retrato - texto adaptado - Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1981)
Nenhum comentário:
Postar um comentário